Os textos publicados neste blog são frutos de constatações banais que me surgem no dia-a-dia; insights acerca de fenômenos quotidianos, mas que repercutem em várias escalas e assumem uma dimensão mais complexa do que se imagina. A ideia aqui é compartilhá-las, desconstruí-las para um estudo crítico e moldar novas concepções pessoais. Afinal, é assim que se desenrola a dialética vida contemporânea.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

A lógica do futebol brasileiro contemporâneo


Falar (mal) de futebol é ir ao/de encontro com uma paixão nacional. Trata-se de abordar um assunto tão delicado, de algo que me parece não apenas culturalmente marcante, mas quase que biologicamente intrínseco ao brasileiro. Diria que está no sangue! Ou mais, traduz a alma do bom brasileiro! Aprofundando mais essa metáfora fisiológica, poderia falar de milhões de corações rubro-negros, alvinegros, tricolores, e por aí vai...
Alguém irá papaguear a máxima: “assim como religião e política, futebol não se discute!”. Plenamente de acordo, mas não estou aqui para defender algum time do coração, até porque não tenho. Na verdade, só me arrisquei a tratar de tal assunto, tão sagrado quanto profano, porque algumas questões atinentes muito me encucam.
Há muito me pergunto onde está a lógica no futebol dos dias de hoje, se é que é preciso haver alguma lógica (e dependendo de que lógica se está falando...). Os times são, acima de tudo, meros nomes, que recorrem a sua história para justificar a personalidade criada. Em tempos pregressos os jogadores possuíam vínculos com os times pelos quais jogavam. Contudo, hoje esse vínculo foi substituído pelo poder de compra dessas empresas. Quanto mais uma empresa pode pagar, mais pode tornar seu time qualitativamente melhor, não importa qual a origem do jogador e se o mesmo tem vínculos ou não com tal equipe. Basta lembrar o craque Ronaldo, que na última de suas piores fases, já no fim da carreira, recuperou-se fisicamente de uma série de lesões no Clube de Regatas Flamengo — prestes a realizar o sonho de jogar neste time, como ele mesmo colocava —, mas que logo após foi contratado pelo Corinthians. Mas o principal: assim que o contrato estava assinado e após ter mostrado bons resultados na equipe (em jogos e, principalmente financeiros), declarou amor incondicional ao Corinthians!

Mas há outra face nessa mesma questão: os times enquanto nomes, de conteúdo vazio, preenchido conforme o poder de compra da empresa, independentemente da origem e dos vínculos dos jogadores contratados; e o mesmo também vale para o torcedor. Me pego pensando, o que faz uma pessoa aqui do Amapá ou de outra região do país torcer por um time do Rio de Janeiro, por exemplo, sendo que não se pode falar de um nacionalismo propriamente dito. É até entendível um carioca torcer pelo Flamengo, considerando quaisquer laços de vivência e proximidade física com tal time. Mas como entender um indivíduo de origem distinta, que nunca viu pessoalmente os jogadores do Flamengo, ter o sangue rubro-negro?!
Está claro. Não posso negligenciar os efeitos dessa última globalização, o que poderia explicar a superação de fronteiras na relação torcedor/jogador-time. Os vínculos são criados pelo alcance rápido e imediato da informação, pela propaganda maciça veiculada, sobretudo na mídia televisiva. E essa paixão é repassada hereditariamente também. É uma construção histórica. Os times também carregam símbolos: bandeiras, escudos, hinos, que despertam um sentimento de pertencimento no torcedor. Ora, são instrumentos que abrangem a área de alcance de uma equipe para todo o Brasil. Alguns times equivalem à seleção nessa medida de amplitude!
Veja que não estou falando mal de futebol, nem lhe dotando um caráter irracional. Até gosto de assistir alguns clássicos (talvez pela carga simbólica que lhes são atribuídos — finais de campeonato e embates históricos), e incluo aí as imperdíveis partidas da seleção brasileira. Contudo, existe algo maior por trás das partidas da seleção: o nacionalismo, o qual nem pretendo discorrer neste momento. E nem sempre é preciso haver uma, digamos, “lógica racional” nos esportes, até porque assisto wrestling profissional de uma megaempresa americana, em que os resultados são decididos pelos empresários dos lutadores e os golpes ensaiados de forma a parecerem reais. O efeito de entretenimento é o tão almejado pelas empresas, porque é o que dá maiores lucros. Isso vale para (quase?) todos os eventos esportivos mais populares do mundo. No MMA, uma empresa americana privilegia as lutas em pé, o que fez com que os lutadores que são contratados por esta empresa passem a abandonar as lutas deitadas, isso porque as lutas em pé entretêm mais os espectadores.
Na verdade, não se trata da ausência de uma lógica, mas de uma outra lógica de pertencimento e de finalidades (ou intensidade destas), diferente da do futebol de décadas atrás (talvez). Se a WWE incorporou o show e a teatralidade nas lutas, e se a UFC fez com que as lutas deitadas fossem menos frequentes, cabe dizer que se trata de medidas adotadas diante da intensificação da popularidade e da escala de abrangência desses esportes por estas empresas. O público aumentou porque mais passaram a ter conhecimento de tais esportes-entretenimentos, e as empresas para se sustentarem no mercado, tiveram de se adaptar e encontrar formas publicitárias de agradar a um público cada vez mais diversificado e numeroso, e sem fronteiras. No futebol é assim. As condições estruturais são outras, e se a globalização é a mundialização do capital, como afirma Chesnais (e nem gostaria de carregar o texto de alguma “cientificidade”), é normal que ocorra a “mundialização do esporte-entretenimento”, que na verdade, nada mais é que também parte da mundialização do capital, das empresas!
Enfim, isso em parte pode explicar a problemática proposta. Não obstante, ainda me parece estranha tanta paixão por um nome (ainda que de importância histórica no esporte), cujo conteúdo, em sua maioria, despreza qualquer vínculo afetivo, ou coloca este em segundo plano, ao mesmo tempo em que um “bando de loucos” (no sentido figurado, vale ressaltar), no outro lado do país, torce avidamente por um time do coração. Mas no fim das contas, se formos procurar “lógica” em tudo, vamos nos deparar com tanta coisa “sem lógica”, mas que no fundo tem uma lógica (ilógica) que nos satisfaz para o nosso prazer e para as nossas relações. Haveria uma lógica melhor que essa? Se não, cabe aí outro debate...

            
5 dentre as melhores canções country
1 - I Walk the Line (Johnny Cash)
2 - Jolene (Dolly Parton)
3 - I’m So Lonely I Could Cry (Hank Williams)
4 - Crazy (Patsy Cline)
5 - On The Road Again (Willie Nelson)