Os textos publicados neste blog são frutos de constatações banais que me surgem no dia-a-dia; insights acerca de fenômenos quotidianos, mas que repercutem em várias escalas e assumem uma dimensão mais complexa do que se imagina. A ideia aqui é compartilhá-las, desconstruí-las para um estudo crítico e moldar novas concepções pessoais. Afinal, é assim que se desenrola a dialética vida contemporânea.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

A lógica do futebol brasileiro contemporâneo


Falar (mal) de futebol é ir ao/de encontro com uma paixão nacional. Trata-se de abordar um assunto tão delicado, de algo que me parece não apenas culturalmente marcante, mas quase que biologicamente intrínseco ao brasileiro. Diria que está no sangue! Ou mais, traduz a alma do bom brasileiro! Aprofundando mais essa metáfora fisiológica, poderia falar de milhões de corações rubro-negros, alvinegros, tricolores, e por aí vai...
Alguém irá papaguear a máxima: “assim como religião e política, futebol não se discute!”. Plenamente de acordo, mas não estou aqui para defender algum time do coração, até porque não tenho. Na verdade, só me arrisquei a tratar de tal assunto, tão sagrado quanto profano, porque algumas questões atinentes muito me encucam.
Há muito me pergunto onde está a lógica no futebol dos dias de hoje, se é que é preciso haver alguma lógica (e dependendo de que lógica se está falando...). Os times são, acima de tudo, meros nomes, que recorrem a sua história para justificar a personalidade criada. Em tempos pregressos os jogadores possuíam vínculos com os times pelos quais jogavam. Contudo, hoje esse vínculo foi substituído pelo poder de compra dessas empresas. Quanto mais uma empresa pode pagar, mais pode tornar seu time qualitativamente melhor, não importa qual a origem do jogador e se o mesmo tem vínculos ou não com tal equipe. Basta lembrar o craque Ronaldo, que na última de suas piores fases, já no fim da carreira, recuperou-se fisicamente de uma série de lesões no Clube de Regatas Flamengo — prestes a realizar o sonho de jogar neste time, como ele mesmo colocava —, mas que logo após foi contratado pelo Corinthians. Mas o principal: assim que o contrato estava assinado e após ter mostrado bons resultados na equipe (em jogos e, principalmente financeiros), declarou amor incondicional ao Corinthians!

Mas há outra face nessa mesma questão: os times enquanto nomes, de conteúdo vazio, preenchido conforme o poder de compra da empresa, independentemente da origem e dos vínculos dos jogadores contratados; e o mesmo também vale para o torcedor. Me pego pensando, o que faz uma pessoa aqui do Amapá ou de outra região do país torcer por um time do Rio de Janeiro, por exemplo, sendo que não se pode falar de um nacionalismo propriamente dito. É até entendível um carioca torcer pelo Flamengo, considerando quaisquer laços de vivência e proximidade física com tal time. Mas como entender um indivíduo de origem distinta, que nunca viu pessoalmente os jogadores do Flamengo, ter o sangue rubro-negro?!
Está claro. Não posso negligenciar os efeitos dessa última globalização, o que poderia explicar a superação de fronteiras na relação torcedor/jogador-time. Os vínculos são criados pelo alcance rápido e imediato da informação, pela propaganda maciça veiculada, sobretudo na mídia televisiva. E essa paixão é repassada hereditariamente também. É uma construção histórica. Os times também carregam símbolos: bandeiras, escudos, hinos, que despertam um sentimento de pertencimento no torcedor. Ora, são instrumentos que abrangem a área de alcance de uma equipe para todo o Brasil. Alguns times equivalem à seleção nessa medida de amplitude!
Veja que não estou falando mal de futebol, nem lhe dotando um caráter irracional. Até gosto de assistir alguns clássicos (talvez pela carga simbólica que lhes são atribuídos — finais de campeonato e embates históricos), e incluo aí as imperdíveis partidas da seleção brasileira. Contudo, existe algo maior por trás das partidas da seleção: o nacionalismo, o qual nem pretendo discorrer neste momento. E nem sempre é preciso haver uma, digamos, “lógica racional” nos esportes, até porque assisto wrestling profissional de uma megaempresa americana, em que os resultados são decididos pelos empresários dos lutadores e os golpes ensaiados de forma a parecerem reais. O efeito de entretenimento é o tão almejado pelas empresas, porque é o que dá maiores lucros. Isso vale para (quase?) todos os eventos esportivos mais populares do mundo. No MMA, uma empresa americana privilegia as lutas em pé, o que fez com que os lutadores que são contratados por esta empresa passem a abandonar as lutas deitadas, isso porque as lutas em pé entretêm mais os espectadores.
Na verdade, não se trata da ausência de uma lógica, mas de uma outra lógica de pertencimento e de finalidades (ou intensidade destas), diferente da do futebol de décadas atrás (talvez). Se a WWE incorporou o show e a teatralidade nas lutas, e se a UFC fez com que as lutas deitadas fossem menos frequentes, cabe dizer que se trata de medidas adotadas diante da intensificação da popularidade e da escala de abrangência desses esportes por estas empresas. O público aumentou porque mais passaram a ter conhecimento de tais esportes-entretenimentos, e as empresas para se sustentarem no mercado, tiveram de se adaptar e encontrar formas publicitárias de agradar a um público cada vez mais diversificado e numeroso, e sem fronteiras. No futebol é assim. As condições estruturais são outras, e se a globalização é a mundialização do capital, como afirma Chesnais (e nem gostaria de carregar o texto de alguma “cientificidade”), é normal que ocorra a “mundialização do esporte-entretenimento”, que na verdade, nada mais é que também parte da mundialização do capital, das empresas!
Enfim, isso em parte pode explicar a problemática proposta. Não obstante, ainda me parece estranha tanta paixão por um nome (ainda que de importância histórica no esporte), cujo conteúdo, em sua maioria, despreza qualquer vínculo afetivo, ou coloca este em segundo plano, ao mesmo tempo em que um “bando de loucos” (no sentido figurado, vale ressaltar), no outro lado do país, torce avidamente por um time do coração. Mas no fim das contas, se formos procurar “lógica” em tudo, vamos nos deparar com tanta coisa “sem lógica”, mas que no fundo tem uma lógica (ilógica) que nos satisfaz para o nosso prazer e para as nossas relações. Haveria uma lógica melhor que essa? Se não, cabe aí outro debate...

            
5 dentre as melhores canções country
1 - I Walk the Line (Johnny Cash)
2 - Jolene (Dolly Parton)
3 - I’m So Lonely I Could Cry (Hank Williams)
4 - Crazy (Patsy Cline)
5 - On The Road Again (Willie Nelson)

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O automóvel: uma questão de existência


Alguém dirá que o automóvel serve primariamente para a locomoção do indivíduo no espaço, a fim de gastar menos tempo e/ou menos energia. Engana-se quem diz que este é o papel único do carro. Seu uso está para muito além disso. O carro é um símbolo de ostentação (e) de poder.
O automóvel enquanto símbolo de ostentação (e) de poder assume diferentes dimensões simbólicas, de acordo com algumas variáveis. Por exemplo: um executivo que ganhe muito bem e que viva em um bairro nobre se sentirá “confortavelmente poderoso” ao ter carros exclusivos, coleções de raridades, variados tipos de carros para vários usos e/ou ainda a troca de veículos a cada novo lançamento e nova moda lançada no mercado. Sentir-se-á “confortavelmente poderoso” um adolescente de classe média baixa, e que viva em um apartamento com sua família enquanto tal, com um carro popular usado qualquer - uma vez que poucos são os jovens não empregados que dispõem de um automóvel no Brasil -, por exemplo. E assim por diante... Logo, algumas das variáveis podem ser: condições financeiras, status social e local de vivência.
Outro efeito dessa carga simbólica do automóvel que constatamos no dia-dia é a possibilidade de velocidade, que consequentemente, muitas vezes, torna-se uma necessidade, espécie de condição existencial do carro. Considerando a simbologia que o automóvel carrega e a possibilidade-necessidade de velocidade, esse tipo de veículo ganha preeminência frente a outros “menores”, e incluo aí também o pedestre. Bem, presencio diariamente o esforço do pedestre em fazer-se ser visto para atravessar, muitas vezes correndo, uma faixa destinada ao cruzamento na via; correndo porque precisa dar passagem ao carro e conceder-lhe a possibilidade-necessidade de viajar em alta velocidade. Atravessar uma rua fora da faixa, então, nem pensar! Muito menos na faixa, enquanto o sinal está aberto para os automóveis. No máximo, o pedestre tem dez segundos pra atravessar a Avenida FAB, no centro de Macapá!
Isso me faz pensar inclusive na ausência de ciclovias em Macapá. Aliás, um problema nacional. Quer dizer, as vias para circulação de automóveis existem (ainda que consideravelmente esburacadas), mas na capital do Amapá simplesmente não há espaços destinados ao fluxo exclusivo de bicicletas, que por sinal, são muito comuns nesta região - não por assumirem um caráter de educação ambiental ou de saúde, mas sim de uma dimensão cultural, diria. Sendo de dimensão cultural, me parece mais clara a negligência por parte do Estado, levando em consideração a população (e seu status social) que faz uso desse meio de transporte.
Enfim, os efeitos que repercutem do símbolo-matéria automóvel são vários e os constatamos quotidianamente.
Pois bem, uma das ferramentas de fomentação dessa carga simbólica que o automóvel carrega são as propagandas (que não são poucas). Estive prestando atenção a algumas delas veiculadas na TV aberta e me deparei com uma que vem sendo exibida nos últimos meses e que é uma das piores que já vi!
1 - O indivíduo se dá conta que está “desaparecendo”; 2 - Mostra-se cada vez mais perplexo e preocupado com o “fato”; 3 - Decide então correr para uma loja de automóveis e adentra um belíssimo modelo recém-lançado; 4 - Então “visível”, em posse do carro, chama a atenção por onde passa; 5 - Mas a atenção que o indivíduo em seu carro chama tem por plateia principal as mulheres, afinal, o automóvel é um “indicativo de virilidade”.
Pra completar a trágica veiculação de ideia de poder que o carro pode lhe conceder, a propaganda diz: “Mas um que tem um carro que não diz nada!”. “Moderno, elegante, tecnológico e ousado, como você sempre quis!” - ora, você pode obter todos esses atributos assim que adquire um automóvel deste porte, além de tornar-se visível, possuindo um carro que diz tudo!
Cabe então a pergunta: seria o automóvel uma questão de existência no sentido de deslocamento, fluxo, portanto, de seu uso imediato, primeiro e original, ou ainda enquanto ferramenta de otimização do espaço-tempo de caráter capitalista; ou uma existência espiritual-material do indivíduo, que necessita fazer-se ver-se e “externalizar” suas condições financeiras e status social por meio de um veículo, destarte um símbolo, garantindo-lhe certa medida de poder? Hoje em dia, um sedan luxuoso já não me soa tão atraente como antes, mas perante a sociedade em geral, como soaria um desses?!

Tomando outro foco…
Interessante como funcionam as propagandas de automóveis. Se pararmos pra pensar, os comerciais de carros populares, na maioria das vezes, têm por enredo estórias cômicas, muitos deles ligados ao futebol (no Brasil) e quase todos destinados ao público masculino. Por exemplo: o grupo de jovens que pede informação ao vendedor ambulante de qual caminho tomar para chegar a Europa, a fim de assistir a Copa do Mundo de Futebol, mas os torcedores estão diante do oceano Atlântico! Ou ainda o amigo que confessa ao outro ser argentino, mas não surpreende o brasileiro, que só se espanta com a versatilidade do carro que possui - detalhe: trata-se de transporte do material da churrascada com os amigos!
Por outro lado, os comerciais de promoção de carros mais caros (acima de R$ 70.000,00) geralmente são os mais “sem graça”, isso porque o público ao qual estão vinculados dispensa a representação de hábitos comuns a camadas populares, restringindo-se à enunciação dos atributos tecnológicos (e implicitamente simbólicos), sempre passando a ideia de luxo e status; boa parte dessas propagandas é protagonizada por executivos, trajados enquanto tais com seus ternos, ou ainda praticando esportes como tênis e golfe. Pareceria-nos estranho um alto executivo transitando com um Fusca ao lado de um comerciante com seu New Beetle?! A primeira percepção a ser formada poderia ser a de menos ostentação de poder por parte do alto executivo e ainda a certeza de não pertencimento do Beetle por parte do comerciante... Vai entender! Trata-se de ideias historicamente construídas.


3 dentre as melhores canções de temática romântica
1 - When a Man Loves a Woman (Percy Sledge)
2 - Whiter Shade of Pale (Procol Harum)
3 - Unchained Melody (The Righteous Brothers)

terça-feira, 15 de maio de 2012

Lugar: o espaço enquanto ponto de fuga à oficiosa realidade


Há algumas semanas estive em um curso oferecido pelo Governo do Estado cuja finalidade era a de incitar a sinergia do servidor público em suas atividades laborais, a partir do autoconhecimento e de um aprimoramento nas relações interpessoais no ambiente de trabalho. A oficina foi ministrada por uma excelente psicóloga, o que nos colocava - os servidores participantes - como espécie de “pacientes” (desconheço o termo correto). Enfim, o que realmente interessa é que me foram surgindo ideias e questionamentos enquanto o curso decorria.
Sim, eu estava lá como espectador-"pesquisador", atento para as reações dos colegas funcionários e para o domínio teórico-prático da facilitadora em questão, sem, contudo, deixar de participar das atividades desenvolvidas.
Em uma das atividades os participantes expunham suas “técnicas” usadas para descarregar o estresse acumulado no dia-a-dia. Um dentre eles me chamou a atenção, ao afirmar se dirigir com certa frequência a Praça do Forte, parar em determinado ponto da praça, levantar os braços e gritar, gritar bem alto, a ponto de parecer a outrem um louco! - como ele mesmo colocou.

Logo associei o fato a uma forma de espacialização que na Geografia é conhecida como lugar - relação com determinado espaço que pode ser de afeição, bem-estar, de boas sensações, ou de aversão, desconforto, de sensações desagradáveis - tudo a partir da experiência sensorial e da percepção do espaço -; configura-se como um espaço de experiências pessoais, receptáculo de lembranças. Para ilustrar bem, sempre que ouço Nando Reis, especialmente o álbum “Drês” (2009), eu recordo da área do Parque do Forte que está de frente para o rio Amazonas (imagino que constitua um [bom] lugar para boa parte da população macapaense!).
O coração é uma flor que brota num chão rochoso
(...) Você ama esta cidade / Ainda que isso não soe verdadeiro
Você esteve em todos os lugares / E todos os lugares estiveram em você
(Beautiful Day, letra de Bono, música de U2, 2000)
A questão é que ainda não me havia passado pela cabeça usar os lugares como pontos de fuga à realidade da cinza e movimentada urbe - este espaço de fluxos constantes e rápidos, de compromissos desgastantes e ofícios que tanto nos consomem de forma repetitiva. Não, não sou contrário à vida urbana, que fique claro, e nem teria o porquê. Por outro lado, em meio a este cenário em tons acinzentados, têm-se essas ilhas, manchas de retirada, espécie de saídas de emergência, marcando um contraste em relação às repetitivas atividades oficiosas que tanto caracterizam a vida no meio urbano.
Trata-se de espaços de “perda de tempo”. Por isso são tão postos em papéis secundários; por isso passamos pouquíssimo tempo neles. A vida de trabalho nos é exigida para então nos provermos do “luxo” do lazer. Estamos quase sempre assimilando informações, mas em meio à natureza podemos tanto não fazer nada quanto ter acesso às informações de forma descompromissada e, portanto livre, de forma prazerosa, portanto. Não quero dizer que na mancha urbana não se pode apropriar-se do espaço nesse sentido, o que me faria negligenciar teatros, cinemas, esquinas, bares, etc., mas em qual outro lugar - como uma praça ou uma praia - podemos dispor de uma vasta extensão que nos permita certo isolamento, o contato com o natural e, em vista disso um distanciamento do espaço no qual praticamos desgastadamente nossos fazeres diários?!
Rendendo-se à (inevitável?) condição de peça de manutenção do trágico status quo, o que nos resta é mudar a concepção de que trabalho não prazeroso é preeminente frente a qualquer forma de lazer, ao mesmo tempo em que isso nos condena a uma condição social, a uma condição de vida que pode tornar-se prejudicial à subsistência humana - é necessário fazer um balanço entre os pesos postos de forma sadia. Sim, é complexo pra caramba! Eis então a dura tarefa de avaliar até que ponto vale a pena o quanto temporalmente devemos/podemos recorrer aos lugares enquanto pontos de fuga, enquanto espaços de liberdade e de “perda de tempo”, fazendo destes, receptáculos de experiências sensoriais e pessoais, de lembranças, estas acionadas por um agradável odor qualquer ou ainda por uma boa música do Nando Reis!
Mas triste é quem diz que para um problema / só existe a solução da matemática
O que me faz feliz são coisas pequenas / Um lindo arco-íris riscando o fim de tarde
(Livre como um deus, letra de Nando Reis, música de Nando Reis e Os Infernais, 2009)

Tomando outro foco...
Fico me questionando até que ponto um curso de sinergia pode ter real eficácia, considerando as condições de trabalho de um órgão público executivo (o “primo pobre” do legislativo e judiciário). Quer dizer, de que adianta o servidor ser instigado a almejar tanto autoconhecimento e aprimorar suas relações com os colegas de trabalho, desenvolvendo a utópica “simpatia geral”, sentir-se bem após uma oficina como esta (a qual pude perceber que surtiu bons resultados nos servidores participantes), se ao chegar ao ambiente de trabalho - composto de variados tons de cinza - cumprindo inflexíveis cargas horárias, desvios de função, baixas remunerações, plantões não remunerados, não disponibilidade de instrumentos que viabilizem as tarefas, etc., etc., et caetera, o indivíduo se depara com a volta à desanimadora rotina!? Isso me soa uma sinergia um tanto quanto efêmera e um compromisso meramente oficial por parte do governo!
Não vejo que o trabalho passe pela necessidade de cumprir rigorosamente uma carga horária (quando não se é imprescindível cumpri-la, como no atendimento direto ao público), sendo que o prazo por si só pode estipular o trabalho. Assim como o ambiente acinzentado, na sutil variação de cores neutras e dispondo de objetos tão característicos desse lugar, incorre na “maquinização” do servidor - este que tem uma energia em um tempo contado para gastar, geralmente não expondo seus sentimentos (neutralidade), um rol determinado de práticas que podem ser exercidas aí, vestuário propício para tal (uniformes explícitos ou subentendidos), assim como uma aparência física dita “correta”... -. Algumas empresas já usam as mais variadas estratégias de incentivo ao trabalho “feliz”, dentre elas a flexibilização do horário de trabalho (a partir de determinação de prazos) e a remodelagem do espaço físico no qual se desempenham as atividades (quem sabe umas cadeiras estofadas ou ainda um sofá, boa acústica, iluminação natural, elementos/objetos naturais, etc.). Faz-se necessário repensar todos esses aspectos concernentes ao trabalho e, sobretudo, ao meio em que se realiza o mesmo. Afinal, o ambiente não determina o comportamento humano, mas pode influenciá-lo.

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Nota: a conceituação de lugar e cidade apresentados no texto constitui uma visão pessoal, desprovida de um rigor científico no que tange a elaboração de ambos os conceitos expressos pela linguagem científica própria da Geografia. Para tal sugiro, dentre outros geógrafos, o chinês Yi-Fu Tuan e o brasileiro Milton Santos; lembrando que dentro da própria ciência geográfica, o conceito tem diferentes acepções, de acordo com as correntes que as definem.

5 boas canções psicodélicas de variadas origens
Estrangeira e estadunidense: 1 - Rock Lobster (The B-52’s)
Estrangeira e estadunidense: 2 - Brothersport (Animal Collective)
Estrangeira e islandesa: 3 - Innocence (Björk)
Nacional e paulista: 4 - Dois Mil e Um (Os Mutantes)
Regional e amapaense: 5 - Soldado Colorido (Mini Box Lunar)

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Sedução televisionada: Desligando-se ao ligar a TV


Constatei nos últimos meses algo que me era tão incômodo quanto imperceptível. Esse estranho paradoxo aguçou minha aflição quando, em uma tarde qualquer, uma amiga afirmara não assistir TV, isso porque a televisão lhe causava um efeito, digamos, sedutor. Pois bem, este foi o estopim para problematizar a questão. Logo me lembrei daquela canção do Pato Fu - Televisão de Cachorro:
Às vezes penso que eu assisto TV / como um cãozinho que olha o frango rodar
Que mais e mais saboroso de se ver / aguça cada vez mais meu paladar
Quando uma gotinha de óleo cai / como uma novidade que entra no ar
Eu paro tudo, eu paro de pensar / só pra ficar te olhando, televisão
(...) Mas meu cachorro nada vê na TV / e aí que eu vejo o burro que o bicho é
A tela plana não deixa ele perceber / a propaganda bacana de frango
(Televisão de cachorro, letra de John Ulhoa, música de Pato Fu, 1988)
Não falo de uma sedução de chamamento, de convite, mas sim de uma sedução de enleio, de fixação - por que não, prisão?! É o que bem retrata a letra da canção citada. Ocorre da seguinte forma: assisto algo que me interessa e que me motivou a ligar o televisor; durante os intervalos comerciais e após o programa, no entanto, continuo com o aparelho ligado, uma vez que vão aparecendo outras coisas que me fazem ficar ali, ainda que sejam falsamente interessantes. “Gotinhas de óleo” vão caindo e eu ali, hipnotizado feito um “cachorro olhando o frango rodar”, assistindo “novidades” que vão “entrando no ar”.
Jogue fora sua televisão / Tome esta clara decisão
[...] É uma repetição de uma história já contada
[...] Recrie sua supervisão agora / [...] Desligue sua ambição
[...] Reinvente sua intuição agora / [...] Alivie essa doença ruim agora
(Throw Away Your Television, escrita e composta por Red Hot Chili Peppers, 2002)
Bem, o aparelho está ligado, mas eu estou “desplugado”, ou quase isso. Isso porque esse processo incita uma vontade mórbida de permanecer ali, sentado, física e (aparentemente) mentalmente relaxado - e não o é porque sei que meu inconsciente está absorvendo dezenas ou centenas de ideias e processando boa parte delas, ditando meu comportamento cotidiano. É tão banal quanto perturbador saber disso, ainda mais quando tenho a certeza de que continuarei com esse hábito. A questão é tomar consciência de que não se trata de ser “cachorro”, mas sim, “burro”, como coloca John Ulhoa.
A televisão me deixou burro, muito burro demais
Agora todas as coisas que eu penso me parecem iguais
(...) Agora eu vivo dentro dessa jaula junto dos animais
(...) Ô, Crides, fala pra mãe /Que tudo o que a antena captar, meu coração captura
Vê se me entende pelo menos uma vez, criatura!
(Televisão, letra de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Tony Belloto, música de  Titãs, 1985)

Bom, não quero adentrar outras questões para além do efeito hipnótico, de fascínio provocado pela TV - escopo deste texto. É certo que não se trata de um simples aparelho de mídia que transmite informações de e para o mundo todo, como cansamos de ouvir, mas sua essência, longe da dimensão material, está sob o comando de grupos corporativos que mantêm consigo interesses impostos a toda uma população. Desvencilhar-se dessa trágica habitualidade é a grande questão.

A minha TV ‘tá louca / Me mandou calar a boca e não tirar a bunda do sofá
Mas eu sou facinho de má-ré-de-si / E se a maré subir, eu vou me levantar
Não quero saber se é a cabo nem se minha assinatura vai mudar tudo o que aprendi
Triste o fim do seriado / Um bocado magoado, sem saber o que será de mim
(...) Num passado remoto, perdi meu controle
(Xanéu Nº 5, letra de Fernando Aniteli, música de O Teatro Mágico, 2008)
Dar-se conta de que ao chegar ao quarto ou a sala de estar, a primeira coisa que se faz é ligar a televisão. Dormir embalado pelo som da TV e tomar sua iluminação como abajur. Ir além: guiar-se pelos horários do dia através dos programas televisivos. Estudar, comer, conversar... Viver. A TV desligada reflete o que fazemos. A TV ligada dita o que fazemos. Sedução de convite ou de enleio, desprover-se desse mau costume é libertar-se de uma prisão psicológica.


10 boas canções estrangeiras atuais que não estouraram no Brasil
1 - Say Please (Monsters of Folk)
2 - Too Fake (Hockey)
3 - Hurricane Jane (The Black Kids)
4 - Two Weeks (Grizzly Bear)
5 - Rest My Chemistry (Interpol)
6 - Honey Honey (Feist)
7 - Something is Squeezing My Skull (Morryssey)
8 - Geraldine (Glasvegas)
9 - My Girls (Animal Collective)
10 - Don’t Carry it All (The Decemberists)