Falar (mal) de futebol é ir ao/de
encontro com uma paixão nacional. Trata-se de abordar um assunto tão delicado,
de algo que me parece não apenas culturalmente marcante, mas quase que biologicamente
intrínseco ao brasileiro. Diria que está no sangue! Ou mais, traduz a alma do
bom brasileiro! Aprofundando mais essa metáfora fisiológica, poderia falar de
milhões de corações rubro-negros, alvinegros, tricolores, e por aí vai...
Alguém irá papaguear a máxima:
“assim como religião e política, futebol não se discute!”. Plenamente de
acordo, mas não estou aqui para defender algum time do coração, até porque não
tenho. Na verdade, só me arrisquei a tratar de tal assunto, tão sagrado quanto
profano, porque algumas questões atinentes muito me encucam.
Há muito me pergunto onde está
a lógica no futebol dos dias de hoje, se é que é preciso haver alguma lógica (e
dependendo de que lógica se está falando...). Os times são, acima de tudo,
meros nomes, que recorrem a sua história para justificar a personalidade
criada. Em tempos pregressos os jogadores possuíam vínculos com os times pelos
quais jogavam. Contudo, hoje esse vínculo foi substituído pelo poder de compra
dessas empresas. Quanto mais uma empresa pode pagar, mais pode tornar seu time
qualitativamente melhor, não importa qual a origem do jogador e se o mesmo tem
vínculos ou não com tal equipe. Basta lembrar o craque Ronaldo, que na última de
suas piores fases, já no fim da carreira, recuperou-se fisicamente de uma série
de lesões no Clube de Regatas Flamengo — prestes a realizar o sonho de jogar neste
time, como ele mesmo colocava —, mas que logo após foi contratado pelo Corinthians.
Mas o principal: assim que o contrato estava assinado e após ter mostrado bons
resultados na equipe (em jogos e, principalmente financeiros), declarou amor
incondicional ao Corinthians!
Mas há outra face nessa mesma
questão: os times enquanto nomes, de conteúdo vazio, preenchido conforme o
poder de compra da empresa, independentemente da origem e dos vínculos dos
jogadores contratados; e o mesmo também vale para o torcedor. Me pego pensando,
o que faz uma pessoa aqui do Amapá ou de outra região do país torcer por um
time do Rio de Janeiro, por exemplo, sendo que não se pode falar de um
nacionalismo propriamente dito. É até entendível um carioca torcer pelo
Flamengo, considerando quaisquer laços de vivência e proximidade física com tal
time. Mas como entender um indivíduo de origem distinta, que nunca viu pessoalmente
os jogadores do Flamengo, ter o sangue rubro-negro?!
Está claro. Não posso
negligenciar os efeitos dessa última globalização, o que poderia explicar a
superação de fronteiras na relação torcedor/jogador-time. Os vínculos são
criados pelo alcance rápido e imediato da informação, pela propaganda maciça
veiculada, sobretudo na mídia televisiva. E essa paixão é repassada hereditariamente
também. É uma construção histórica. Os times também carregam símbolos:
bandeiras, escudos, hinos, que despertam um sentimento de pertencimento no torcedor.
Ora, são instrumentos que abrangem a área de alcance de uma equipe para todo o
Brasil. Alguns times equivalem à seleção nessa medida de amplitude!
Veja que não estou falando mal
de futebol, nem lhe dotando um caráter irracional. Até gosto de assistir alguns
clássicos (talvez pela carga simbólica que lhes são atribuídos — finais de
campeonato e embates históricos), e incluo aí as imperdíveis partidas da
seleção brasileira. Contudo, existe algo maior por trás das partidas da seleção:
o nacionalismo, o qual nem pretendo discorrer neste momento. E nem sempre é
preciso haver uma, digamos, “lógica racional” nos esportes, até porque assisto wrestling profissional de uma
megaempresa americana, em que os resultados são decididos pelos empresários dos
lutadores e os golpes ensaiados de forma a parecerem reais. O efeito de
entretenimento é o tão almejado pelas empresas, porque é o que dá maiores
lucros. Isso vale para (quase?) todos os eventos esportivos mais populares do
mundo. No MMA, uma empresa americana privilegia as lutas em pé, o que fez
com que os lutadores que são contratados por esta empresa passem a abandonar as
lutas deitadas, isso porque as lutas em pé entretêm mais os espectadores.
Na verdade, não se trata da
ausência de uma lógica, mas de uma outra lógica de pertencimento e de
finalidades (ou intensidade destas), diferente da do futebol de décadas atrás
(talvez). Se a WWE incorporou o show
e a teatralidade nas lutas, e se a UFC fez com que as lutas deitadas fossem menos frequentes, cabe
dizer que se trata de medidas adotadas diante da intensificação da popularidade
e da escala de abrangência desses esportes por estas empresas. O público
aumentou porque mais passaram a ter conhecimento de tais esportes-entretenimentos,
e as empresas para se sustentarem no mercado, tiveram de se adaptar e encontrar
formas publicitárias de agradar a um público cada vez mais diversificado e
numeroso, e sem fronteiras. No futebol é assim. As condições estruturais são
outras, e se a globalização é a mundialização do capital, como afirma Chesnais
(e nem gostaria de carregar o texto de alguma “cientificidade”), é normal que
ocorra a “mundialização do esporte-entretenimento”, que na verdade, nada mais é
que também parte da mundialização do capital, das empresas!
Enfim, isso em parte pode
explicar a problemática proposta. Não obstante, ainda me parece estranha tanta
paixão por um nome (ainda que de importância histórica no esporte), cujo
conteúdo, em sua maioria, despreza qualquer vínculo afetivo, ou coloca este em
segundo plano, ao mesmo tempo em que um “bando de loucos” (no sentido figurado,
vale ressaltar), no outro lado do país, torce avidamente por um time do coração.
Mas no fim das contas, se formos procurar “lógica” em tudo, vamos nos deparar
com tanta coisa “sem lógica”, mas que no fundo tem uma lógica (ilógica) que nos
satisfaz para o nosso prazer e para as nossas relações. Haveria uma lógica
melhor que essa? Se não, cabe aí outro debate...
♪ 5 dentre as melhores canções country ♪
1 - I Walk the Line (Johnny Cash)
2 - Jolene (Dolly
Parton)
3 - I’m So Lonely I Could Cry (Hank Williams)
4 - Crazy (Patsy Cline)
5 - On The Road Again (Willie Nelson)