Alguém dirá que o
automóvel serve primariamente para a locomoção do indivíduo no espaço, a fim de
gastar menos tempo e/ou menos energia. Engana-se quem diz que este é o papel
único do carro. Seu uso está para muito além disso. O carro é um símbolo de ostentação (e) de poder.
Outro efeito dessa carga
simbólica do automóvel que constatamos no dia-dia é a possibilidade de velocidade, que consequentemente, muitas vezes,
torna-se uma necessidade, espécie de
condição existencial do carro. Considerando a simbologia que o automóvel
carrega e a possibilidade-necessidade de
velocidade, esse tipo de veículo ganha preeminência frente a outros
“menores”, e incluo aí também o pedestre. Bem, presencio diariamente o esforço
do pedestre em fazer-se ser visto para atravessar, muitas vezes correndo, uma
faixa destinada ao cruzamento na via; correndo porque precisa dar passagem ao
carro e conceder-lhe a possibilidade-necessidade de viajar em alta velocidade.
Atravessar uma rua fora da faixa, então, nem pensar! Muito menos na faixa,
enquanto o sinal está aberto para os automóveis. No máximo, o pedestre tem dez
segundos pra atravessar a Avenida FAB, no centro de Macapá!
Isso me faz pensar
inclusive na ausência de ciclovias em Macapá. Aliás, um problema nacional. Quer
dizer, as vias para circulação de automóveis existem (ainda que consideravelmente
esburacadas), mas na capital do Amapá simplesmente não há espaços destinados ao
fluxo exclusivo de bicicletas, que por sinal, são muito comuns nesta região -
não por assumirem um caráter de educação ambiental ou de saúde, mas sim de uma
dimensão cultural, diria. Sendo de dimensão cultural, me parece mais clara a
negligência por parte do Estado, levando em consideração a população (e seu status social) que faz uso desse meio de
transporte.
Enfim, os efeitos que
repercutem do símbolo-matéria automóvel são vários e os constatamos
quotidianamente.
Pois bem, uma das ferramentas de fomentação dessa carga
simbólica que o automóvel carrega são as propagandas
(que não são poucas). Estive prestando atenção a algumas delas veiculadas na TV
aberta e me deparei com uma que vem sendo exibida nos últimos meses e que é uma
das piores que já vi!
1 - O indivíduo se dá
conta que está “desaparecendo”; 2 - Mostra-se cada vez mais perplexo e
preocupado com o “fato”; 3 - Decide então correr para uma loja de automóveis e
adentra um belíssimo modelo recém-lançado; 4 - Então “visível”, em posse do
carro, chama a atenção por onde passa; 5 - Mas a atenção que o indivíduo em seu
carro chama tem por plateia principal as mulheres, afinal, o automóvel é um
“indicativo de virilidade”.
Pra completar a trágica
veiculação de ideia de poder que o carro pode lhe conceder, a propaganda diz:
“Mas um que tem um carro que não diz nada!”. “Moderno, elegante, tecnológico e
ousado, como você sempre quis!” - ora, você pode obter todos esses atributos
assim que adquire um automóvel deste porte, além de tornar-se visível,
possuindo um carro que diz tudo!
Cabe então a pergunta:
seria o automóvel uma questão de existência no sentido de deslocamento, fluxo,
portanto, de seu uso imediato, primeiro e original, ou ainda enquanto
ferramenta de otimização do espaço-tempo de caráter capitalista; ou uma
existência espiritual-material do indivíduo, que necessita fazer-se ver-se e “externalizar”
suas condições financeiras e status
social por meio de um veículo, destarte um símbolo, garantindo-lhe certa medida
de poder? Hoje em dia, um sedan
luxuoso já não me soa tão atraente como antes, mas perante a sociedade em
geral, como soaria um desses?!
Tomando outro foco…
Interessante como funcionam
as propagandas de automóveis. Se pararmos pra pensar, os comerciais de carros
populares, na maioria das vezes, têm por enredo estórias cômicas, muitos deles
ligados ao futebol (no Brasil) e quase todos destinados ao público masculino.
Por exemplo: o grupo de jovens que pede informação ao vendedor ambulante de
qual caminho tomar para chegar a Europa, a fim de assistir a Copa do Mundo de
Futebol, mas os torcedores estão diante do oceano Atlântico! Ou ainda o amigo
que confessa ao outro ser argentino, mas não surpreende o brasileiro, que só se
espanta com a versatilidade do carro que possui - detalhe: trata-se de
transporte do material da churrascada com os amigos!
Por outro lado, os
comerciais de promoção de carros mais caros (acima de R$ 70.000,00) geralmente
são os mais “sem graça”, isso porque o público ao qual estão vinculados
dispensa a representação de hábitos comuns a camadas populares, restringindo-se
à enunciação dos atributos tecnológicos (e implicitamente simbólicos), sempre
passando a ideia de luxo e status;
boa parte dessas propagandas é protagonizada por executivos, trajados enquanto
tais com seus ternos, ou ainda praticando esportes como tênis e golfe.
Pareceria-nos estranho um alto executivo transitando com um Fusca ao lado de um
comerciante com seu New Beetle?! A primeira percepção a ser formada poderia ser
a de menos ostentação de poder por parte do alto executivo e ainda a certeza de
não pertencimento do Beetle por parte do comerciante... Vai entender! Trata-se
de ideias historicamente construídas.
♪ 3 dentre as melhores canções de temática romântica ♪
1 - When a Man Loves a Woman (Percy Sledge)
2 - Whiter Shade of Pale (Procol Harum)
3 - Unchained Melody (The Righteous Brothers)
Gostei! E concordo plenamente, hoje o carro é quase uma obsessão para os jovens de classe média universitários, e na sociedade atual o ter vale mais do que o ser, então ter um carro é sinônimo de luxo e status.
ResponderExcluirSim, Harife, o "ter" vale mais que o "ser", na medida em que "ser" requer "ter".
ExcluirUm detalhe que talvez contribua nesse debate, são as vias, que vc se refere inexistente ciclovias em Macapá (em muitas outras cidades também). Pq o capital se interessa muito mais em construir vias para carros? Pq além desse mercado das propagandas, existe ainda o mercado do petróleo, dos acessórios e principalmente o próprio mercado dos automóveis, que por sua vez, todos esses são muito mais rentáveis ao capital. Este capital é que ostenta as duas simbologias, tanto de locomoção, como de status social.
ResponderExcluirPs.: Espero ter contribuído, adorei o blog. Parabéns!
Sim, Thaís, é verdade o que você diz. Na verdade, apontei apenas alguns pontos dessa complexa rede em que o automóvel (matéria-símbolo) está inserido.
ExcluirValeu a contribuição e por ter gostado deste espaço. Continue contribuindo.
Teu blog está muito bom em estética,conteúdo... e como pude observar recheado de interessantes comentários...Parabéns!!Alfaia.
ResponderExcluirResquícios de um artista - já fiz curso de Desenho profissional numa escola de artes aqui em Macapá (Cândido Portinari) - mas meu lado auto-crítico sempre está descontente com minha percepção visual! (risos). Quanto aos comentários, concordo com você, afinal, são pessoas de mente brilhante com as quais só tenho a aprender, inclusive você.
ExcluirEu é que aprendo contigo, garoto!
ResponderExcluirMuito obrigada, Kelvin (:
ResponderExcluirÓtimo texto, muito coerente. Realidade de Macapá, principalmente, onde se tem um Camaro (é assim que escreve?) na garagem e se come ovo frito no almoço.
;*
hahaha Reza a lenda que o amapaense prioriza o automóvel em detrimento da casa própria!
ResponderExcluirObrigado digo eu, poetisa Betina!
:)
Pois sim, Alfaia estou pensando em usar seu texto em uma aula... claro com a devida referência e sua autorização.
ResponderExcluirSeria um privilégio! Autorização mais que dada! Referência: ALFAIA, Kelvin W. Santos. Qualquer coisa, pode colocar minha foto também! (risos) ;)
ResponderExcluirhum...engraçadinho!! nada de foto viu!! kkkkkkk, tô falando sério o texto é bom e abre um leque para debates e reflexões, em sala de aula principalmente pra galerinha do médio.
ExcluirÀ vontade! :)
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